No Rio de Janeiro, até o que parece francês acaba virando patrimônio da boemia. É o caso da famosa Guarnição à francesa que, apesar do nome importado, é 100% carioca, da gema, com passaporte carimbado na Lapa.

Esse acompanhamento cheio de charme e história, que parece ter vindo de Paris, nasceu mesmo foi no calor da Lapa — com sotaque carioca, cheiro de cebola dourando na manteiga e memória em cada garfada.

Pode parecer só um elemento a mais no prato, mas quem conhece sabe: essa guarnição é protagonista. Um clássico servido em restaurantes tradicionais do Rio, a tal “à francesa” tem um sabor que atravessa gerações. E mais do que isso: uma invenção genuinamente carioca.

Afinal, o Rio é isso aí: uma cidade que mistura mundos, sabores e culturas, e que transforma tudo em coisa nossa. Foi assim com a bossa nova, com o carnaval de rua e, claro, com a guarnição que conquistou os boêmios, os artistas, os jornalistas, os turistas e o coração de quem ama uma comida com história.

E nós vamos contar direitinho como ele surgiu! Spoiler: tem bar clássico, tem cliente francês e tem muito Rio nessa receita.

Feita de batata frita em tiras finíssimas (no estilo palha), com presunto e cebola cortados também em tiras, mais ervilhas, tudo puxado na manteiga até formar um refogado úmido e cheio de sabor, essa guarnição é mais do que um acompanhamento. É tradição viva, com gosto de memória, boteco de respeito e mesa compartilhada.

Um prato que nasceu na Lapa e ganhou a cidade

Pra contar essa história direito, a gente tem que começar pela Lapa, coração da vida noturna carioca, berço do samba e cenário de muitas invenções que acabaram virando tradição. E no meio dessa efervescência, um restaurante se destaca: o Nova Capela.

Aberto em 1903, o Capela não é apenas um restaurante, é uma instituição da cidade. A casa acompanhou o tempo passar, viu a Lapa se transformar, foi vizinha de teatros, reduto de artistas e ponto de encontro de políticos, músicos e jornalistas. Um daqueles lugares onde o garçom conhece o cliente pelo nome e onde a cozinha carrega segredos antigos.

Foi ali, entre um prato de cabrito com arroz de brócolis e uma conversa animada de mesa de bar, que nasceu a guarnição à francesa. A história mais contada pelos frequentadores é que a combinação surgiu de uma sugestão improvisada de um cliente estrangeiro — possivelmente francês — e caiu no gosto da casa. A partir dali, virou tradição.

De lá pra cá, a receita foi se firmando e conquistando outros endereços cariocas, sempre com aquela aura de nostalgia que só a boa comida carrega. O nome pomposo ajuda, mas o que faz a guarnição à francesa ser o que é, é a alma carioca que ela ganhou no caminho.

Onde comer uma guarnição à francesa de respeito no Rio?

A boa notícia: o Rio está cheio de restaurantes tradicionais onde a guarnição à francesa brilha no cardápio. E a gente te conta onde encontrar — e o que pedir junto — pra viver essa experiência como manda a tradição carioca.

Nova Capela

Começamos, claro, pelo templo original. No Nova Capela, a guarnição à francesa passa lado a lado de pratos icônicos como o cabrito assado com arroz de brócolis e acompanha muito bem a milanesa generosa, que chega à mesa no ponto perfeito.

A atmosfera do lugar ajuda: com painéis de madeira escura, espelhos antigos e garçons de longa data, você se sente num pedaço vivo da história do Rio. E a guarnição? Na medida, saborosa, servida com fartura — do jeito que deve ser.

Endereço: Avenida Mem de Sá, 96 – Lapa

Café Lamas

Fundado em 1874, o Café Lamas é um dos restaurantes mais antigos da cidade — e também um dos mais amados. Ponto de encontro de intelectuais, artistas e políticos por décadas, o Lamas serve a guarnição à francesa como acompanhamento de uma milanesa alta, crocante por fora e suculenta por dentro.

Aqui, a tradição se mantém firme: sabor de casa, ambiente familiar e garçons que sabem contar histórias de outros carnavais.

Endereço: Rua Marquês de Abrantes, 18 – Flamengo

Cervantes

Mais conhecido pelos sanduíches (especialmente o de pernil com abacaxi), o Cervantes também manda bem nos pratos completos.

A milanesa da casa é robusta e suculenta, e ganha um toque especial com a guarnição à francesa bem feita, no capricho. Vai sempre bem, especialmente depois de um dia de praia ou de um samba na zona sul.

Endereço: Avenida Prado Júnior, 335 – Copacabana

Salete

Na Tijuca, o Restaurante Salete é um daqueles segredos bem guardados que todo carioca de fé conhece. O clima é simples e acolhedor, o atendimento é rápido e os pratos têm cara de comida feita com carinho.

Peça o frango à milanesa com guarnição à francesa e descubra por que tanta gente atravessa a cidade só pra almoçar ali. A combinação é certeira, e a guarnição vem no ponto: saborosa, com boa quantidade de manteiga e tudo muito bem misturado.

Endereço: Rua Afonso Pena, 189 – Tijuca

E se quiser fazer em casa?

Sim, dá pra trazer esse clássico carioca pro seu fogão. A guarnição à francesa pode ser a estrela do seu almoço de domingo, do jantar com os amigos ou até da marmita da semana. O segredo está no corte fino, na manteiga de qualidade e na paciência pra fazer tudo no capricho. Confira a receita da famosa guarnição à francesa carioca:

Ingredientes:

  • 3 batatas grandes
  • 100g de presunto em fatias (tipo lanche)
  • 1 cebola grande
  • 1/2 xícara de ervilhas (de preferência em conserva)
  • 2 a 3 colheres de sopa de manteiga
  • Sal e pimenta-do-reino a gosto

Modo de preparo:

  1. Corte as batatas em tiras bem finas (pode ralar no ralador grosso)
  2. Frite em óleo quente até ficarem douradas e crocantes. Escorra e reserve.
  3. Corte a cebola e o presunto em tiras finas. Refogue a cebola na manteiga até murchar.
  4. Adicione o presunto e as ervilhas, refogue mais um pouco.
  5. Junte as batatas fritas e misture delicadamente pra não quebrar. Ajuste sal e pimenta.

Sirva na hora, de preferência com uma bela milanesa — e uma cerveja gelada, porque ninguém é de ferro.

Guarnição à francesa, muito além de um acompanhamento

A guarnição à francesa é um exemplo perfeito de como o Rio transforma tudo em originalidade. Um prato com nome estrangeiro, mas sabor 100% carioca, que passou de mesa em mesa, de restaurante em restaurante, até virar símbolo de uma cozinha que celebra o afeto, a tradição e a simplicidade bem feita. Se você ainda não provou, já passou da hora. Se já conhece, aproveita pra rever esse clássico. E da próxima vez que alguém falar de gastronomia carioca, lembra: a alma dessa Cidade Deliciosa vive nos detalhes de cada prato.