Do alto-mar passando pelos mercados populares até chegar à sua mesa. Os peixes da costa do Rio de Janeiro revelam uma biodiversidade rica, saborosa e cheia de histórias.
Conhecer essas espécies não é apenas uma forma de apreciar melhor a gastronomia local, mas também de consumir com responsabilidade, respeitando os períodos de defeso — quando a pesca é proibida para garantir a reprodução dos animais.
Procuramos alguns dos maiores especialistas no assunto, e apresentamos um panorama completo sobre os pescados da nossa costa — das espécies mais populares às menos conhecidas, mas igualmente muito saborosas.
Com base em entrevistas com chefs da nossa cidade, dados dos orgãos responsáveis e uma pesquisa profunda, exploramos sabores, curiosidades e a sazonalidade desses ingredientes que são alimentos consumidos pelas populações costeiras do Rio há séculos.
Um panorama ideal para quem ama comer bem, valorizando a cultura local e fazendo escolhas mais conscientes à mesa.
Conheça alguns dos peixes da nossa costa, seus sabores e uso:
Peixe | Nome Científico | Sabor e Textura | Usos Culinários | Curiosidade |
Anchova | Pomatomus saltatrix | Sabor marcante, carne oleosa | Assada, grelhada | Popular na pesca esportiva |
Badejo | Mycteroperca spp. | Sabor refinado, carne branca | Filé, grelhado, moqueca | Muito valorizado em restaurantes |
Bonito | Sarda sarda | Sabor intenso, carne escura | Grelhado, em conserva | Parente do atum, ótimo custo-benefício |
Carapeba | Eucinostomus spp. | Sabor leve, carne delicada | Frito, assado, cru | Muito comum em mangues e águas rasas |
Carapau / Xerelete | Trachurus spp. | Sabor leve, carne firme | Frito, grelhado, versátil | Fora do Rio de Janeiro muitas vezes é chamado de carapau |
Cavala | Scomberomorus cavalla | Sabor forte, carne escura e oleosa | Defumada, grelhada | Boa para receitas intensas e conservas |
Corvina | Micropogonias furnieri | Sabor suave, carne branca | Grelhada, assada | Muito acessível em feiras e peixarias |
Guaivira | Oligoplites spp. | Sabor suave, carne firme | Frito, ensopado | Menos conhecida, mas saborosa |
Linguado | Paralichthys spp. | Carne delicada, branca | Grelhado, empanado | Clássico de pratos refinados |
Namorado | Pseudopercis numida | Sabor leve, carne tenra | Filé, ensopado | Muito usado em moquecas e peixadas |
Olhete | Seriola rivoliana | Sabor intenso, carne firme | Cru, grelhado | Muito usado na cozinha japonesa |
Olho-de-boi | Seriola dumerili | Sabor pronunciado, carne firme | Grelhado, sashimi | Bastante consumido cru |
Olho-de-cão | Priacanthus arenatus | Sabor intenso, carne firme | Grelhado, assado, cru | Costuma ter coloração avermelhada |
Pargo | Lutjanus spp. | Sabor intenso, carne firme | Grelhado, ensopado | Presença marcante em casas de frutos do mar |
Peixe-espada | Trichiurus lepturus | Carne macia, levemente oleosa | Frito, grelhado | Econômico e popular na culinária caseira |
Peixe-galo | Selene spp. | Sabor leve, carne macia | Frito, grelhado | Aparência exótica, muito procurado por chefs |
Piraúna | Haemulon steindachneri | Carne branca, textura firme | Assada, moqueca | Popular entre pescadores artesanais |
Pitangola | Seriola spp. | Carne rosa, sabor delicado | Cru, grelhado | Muito usada em sashimis e ceviches |
Prejereba | Elagatis bipinnulata | Sabor suave, carne firme e gordurosa | Grelhado, cru | Bastante consumida na cozinha asiática |
Robalo | Centropomus spp. | Sabor suave, carne branca e firme | Grelhado, assado, moqueca | Um dos queridinhos da alta gastronomia |
Sargo | Diplodus argenteus | Sabor marcante, carne firme | Assado inteiro, grelhado | Muito comum na pesca de praia |
Serra | Scomberomorus brasiliensis | Sabor marcante, carne escura | Grelhada, moqueca, curado | Muito presente na costa fluminense |
Sororoca | Pomatomus saltatrix (juvenil) | Sabor forte, carne oleosa | Frita, assada | Jovem da anchova, ideal para fritura |
Tainha | Mugil liza | Sabor forte, carne escura e firme | Assada, recheada, ova defumada | Muito consumida no inverno; ova é considerada iguaria |
Xaréu | Caranx spp. | Sabor forte, carne fibrosa | Ensopado, moqueca | Muito usado no Norte e Nordeste |
Essas espécies têm em comum o fato de serem encontradas frescas, muitas delas com preços acessíveis, e se mostram versáteis na cozinha. Moluscos e crustáceos, como polvo, lula, camarão, vieira, vôngole e ouriço-do-mar, também têm destaque na atividade pesqueira em nosso litoral, sobretudo em regiões como Ilha Grande, Paraty, Angra dos Reis e Arraial do Cabo, tendo como entreposto mais importante o Mercado de São Pedro, em Niterói, referência na distribuição de peixes e frutos do mar.
Respeito ao mar
No universo da pesca, tempo é sinônimo de respeito. Respeitar a sazonalidade e os períodos de defeso é um gesto de sustentabilidade e um compromisso com a qualidade do que chega ao prato. Na costa do Rio de Janeiro, marcada por correntes, enseadas e águas de diferentes temperaturas, esses ciclos são determinantes para a textura, sabor e disponibilidade dos pescados.
“A sazonalidade impacta diretamente o sabor, a gordura e a textura dos peixes – por isso é tão importante respeitar os ciclos naturais”, afirma Menandro Rodrigues, sócio do Haru e do Umai, em Copacabana, e responsável pelas compras e pelo controle de qualidade dos pescados.
Ele organiza o calendário das espécies quase como um cientista, observando não só a sazonalidade de cada peixe, mas também de como ela interfere sensorialmente na carne. Alguns exemplos são emblemáticos:
A cavala e o dourado-do-mar são típicos do verão, quando a temperatura da água favorece sua aparição em grande quantidade. Já espécies como robalo, olho-de-boi e olho-de-cão aparecem o ano inteiro, com pequenas variações, mas exigem atenção ao tamanho e à época de captura.
Homero Cassiano, do Mitsubá, no Leblon, enfatiza a importância das normas ambientais: “É fundamental consultar as tabelas de captura e respeitar o defeso. Não se pode capturar peixe abaixo de determinado tamanho — e às vezes nem acima” – diz o empresário, um dos maiores estudiosos do assunto.
Além do cumprimento legal, a sazonalidade favorece escolhas mais saborosas.
“Às vezes, a temporada atrasa, como aconteceu com o dourado neste ano”, observa Gerônimo Athuel, do Ocyá, na Barra e no Leblon.
Saber lidar com essas variações exige flexibilidade e escuta atenta ao mar — e aos pescadores artesanais. Os períodos podem variar de ano para ano, conforme o monitoramento dos órgãos ambientais, como explica Lúcio Vieira, dos Labutas e Lilias:
‘’A sardinha, por exemplo, fica todos os anos de cinco a seis meses em defeso. E o início e o fim desse período sempre variam um pouco, de acordo com esses estudos, como eu falei”, conta o cozinheiro, que muitas vezes cruza a ponte Rio-Niterói para comprar suas iguarias marinhas.
Outros peixes que também ficam muito tempo em defeso são o badejo e o cherne, que pode ficar enorme. A garoupa também tem alguns momentos em que entra em defeso, mas não é contínuo.
Listamos algumas das principais espécies e seus períodos de defeso, com base no ICMBio e IBAMA:
Importante: Os períodos de defeso podem mudar conforme atualizações de portarias federais e estaduais. Sempre consulte fontes oficiais (IBAMA, INEA-RJ, MAPA) e colônias de pesca locais antes de comprar ou pescar.
Fontes: https://www.icmbio.gov.br/cepsul/defesosmoratoria-periodos-de-pesca.html
Do mar para o prato
O litoral do Rio de Janeiro é um dos cenários mais ricos e complexos em biodiversidade marinha do Atlântico Sul. Ainda assim, os peixes que de fato chegam aos pratos dos brasileiros são, em grande parte, limitados a poucos nomes repetidos — como a tilápia e o salmão de cativeiro. Uma contradição difícil de explicar para um país de costa continental.
Conversamos com quatro chefs (ou empresários) de destaque na gastronomia carioca que têm explorado com profundidade as espécies da costa: Gerônimo Athuel (Ocyá), Homero Cassiano (Mitsubá), Menandro Rodrigues (Haru e UMAI) e Ricardo Lapeyre (Noa). Suas visões revelam não apenas o potencial dos peixes locais, mas também uma relação quase filosófica com o mar.
Gerônimo Athuel (Ocyá) é claro quanto às suas preferências:
“A gente não tem um peixe predileto, geralmente o peixe predileto é o que mais está tendo no momento, porque se é um peixe que a gente encontra em um volume significativo esse peixe vai nos proporcionar um trabalho mais padronizado e menos fragmentado”
Essa visão valoriza o frescor e o protagonismo do ingrediente, sem hierarquizar espécies. Homero Cassiano (Mitsubá) já trabalhou com mais de cem espécies no restaurante.
“Há uma infinidade de pescados. Aqui no Mitsubá, já passaram cerca de uma centena de espécies.”
Ele aplica a técnica japonesa para destacar o melhor de cada uma — como lula, linguado e sardinha, em períodos específicos do ano.
Menandro (UMAI e Haru) cria verdadeiros mapas sensoriais, destacando alguns exemplares preferidos:
- Olho-de-boi: firme, elegante, ideal para sashimi.
- Pargo: delicado, fundamental na culinária japonesa.
- Carapau e Olho-de-Cão: ricos em umami.
- Serra e Cavala: perfeitos para tataki, kombujime ou defumação leve.
- Sororoca: ideal grelhado com pele crocante.
- Pescada perna-de-moça: translúcida, delicada, boa crua.
“Muitos peixes brasileiros são subvalorizados comercialmente, mas tecnicamente têm grande potencial gastronômico. A pesca artesanal é uma grande aliada da gastronomia local. Criar laços com pescadores ajuda a garantir qualidade e sustentabilidade’’, afirma Menandro.
Ricardo Lapeyre (Noa – RJ) vai além da técnica e reforça a diversidade tão pouco explorada e consumida pela população:
‘’Então, é legal tentar trabalhar mais com esses produtos quando estão em época, quando tem muito no mar. A verdade é que a gente não se dá conta, mas o brasileiro consome muito pouco peixe, em geral. Em comparação com outros países, a média é baixíssima. E olha que a gente tem um litoral gigantesco, com muita coisa. E o que a gente mais consome? Tilápia, que é de cativeiro. E salmão, que é de cativeiro, importado do Chile — o que é um absurdo.”
Ele evita os peixes óbvios e investe em variedade: piraúna, prejereba, faqueco e carapeba, por exemplo. Para servir cru, aposta em pitangola, olho-de-boi e olhe-te. Para peixes na brasa, badejo e robalo. Para pratos especiais: ouriços, vieiras, vôngoles — sempre de fontes confiáveis.
Lapeyre também destaca a parceria com pescadores como elemento essencial. Recebe ostras de Santa Catarina e de Cananéia (SP), e ouriços frescos coletados no litoral fluminense. “Mas o pescador não revela onde. É segredo dele”, brinca.
Lucio Vieira (Lilia e Labuta) também revela sua paixão pelos pescados locais, com um olhar atento para a diversidade e a qualidade:
“Meus prediletos são: cavalinha, xerelete, sardinha… Esses peixes de sabor mais acentuado são os meus preferidos. O roncador também, é incrível! Peixe de carne branquinha, para fazer assado, um espetáculo. Esses são os meus prediletos ao longo do ano. Mas, na nossa costa, tem uma variedade imensa de peixes. Desde robalo, pargo, vermelho, olho-de-cão, sardinha, até espécies mais raras, como o xerelete, que adoro trabalhar. Alguns desses peixes têm um sabor muito mais acentuado, como a cavalinha, que é um dos meus preferidos, como disse. Cada um desses peixes tem uma peculiaridade, e a sazonalidade é o que define quando e como podemos usá-los da melhor maneira. Por exemplo, a sardinha entra em defeso por vários meses, e a qualidade do peixe também depende disso. Não é só a técnica, mas o conhecimento sobre o tempo do peixe que faz toda a diferença”.
Ele reforça ainda a importância do contato com os pescadores e os mercados locais: “E ali é bacana que você tem contato direto com alguns pescadores. Então, é uma prática que a gente leva muito a sério, e a gente tem muito orgulho de, até hoje, há oito anos, estar fazendo esse trabalho com os pescados de maneira tão responsável.”
Valorizar os peixes da costa brasileira vai além da técnica — é reconhecer o valor de cada espécie como parte de um ecossistema vivo e de uma cultura alimentar própria. No litoral do Rio, onde a biodiversidade é tão vasta quanto delicada, respeitar os ciclos naturais é um caminho para a excelência na cozinha e para relações mais éticas com o mar e com quem dele vive”, comenta Gerônimo Athuel, completando: “Todo peixe é nobre — depende do cuidado que ele teve e de como foi manipulado”.